11 de agosto de 2009

Estatuto da cidade e direito de superfície


LOBATO GÓMEZ, J. Miguel., A disciplina do direito de superfície no ordenamento jurídico brasileiro, RTDC, 20, 2004, pp. 65 y ss


Introdução; Delimitação teórica do tema; O direito de superfície como exceção aos princípios da acessão; Conceito e caracteres do direito de superfície; O conceito do direito de superfície na doutrina brasileira atual; A disciplina jurídica do direito de superfície no Brasil; A regulação do direito de superfície no Estatuto da Cidade; A regulação do direito de superfície no novo Código Civil; A normativa aplicável à superfície urbana; Micro-sistemas jurídicos e Estatuto da Cidade; A posição do novo Código Civil em relação com o Estatuto da Cidade; O direito de superfície como instrumento de gestão urbanística; O regime do direito de superfície comum; Regime jurídico do direito de superfície urbano; O regime imperativo;
O papel da autonomia da vontade; O direito do proprietário do terreno à reversão das edificações e plantações; A transmissibilidade do direito de superfície; Considerações finais.

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Nos últimos anos se assistiu novamente, no Direito Brasileiro, ao reconhecimento e à regulação de um antigo instituto jurídico: o direito de superfície. A aceitação geral da superfície como um direito real, sua regulação como instrumento de política urbanística e a boa acolhida da figura por parte da doutrina brasileira animaram ao legislador a aceitá-lo incondicionalmente. Destarte, as expectativas levantadas com o resgate e a incorporação deste direito real de fruição ou gozo em coisa alheia no ordenamento brasileiro são muitas.
Paradoxalmente, por causa das vicissitudes do projeto de novo Código Civil e da demora que sofreu sua aprovação e promulgação, este espetacular ressurgimento do direito de superfície encontrou sua primeira expressão legislativa no âmbito urbanístico, como um instrumento jurídico apto e idôneo para contribuir ao desenvolvimento urbano, já que foi acolhido e regulado no Estatuto da Cidade, Lei nº 10.257, de 10 de julho de 2001, que estabelece as diretrizes gerais da política urbana. O direito de superfície só alcançou posteriormente, uma regulação de âmbito mais geral, quando contemplado no novo Código Civil do Brasil, promulgado pela Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002, que também dá carta de natureza a esta figura jurídica, enumera-a entre os direitos reais tipificados no artigo 1255,II e a regula em capítulo independente (artigos 1.369 a 1.367), sob a rubrica Da Superfície. Portanto, com o novo Código vem à tona novamente o direito de superfície, que idealmente permite maiores possibilidades de aproveitamento do solo. Contudo, ainda existem muitas dúvidas a esclarecer sobre referido instituto.
Teoricamente, a edificação não precisa necessariamente a prévia aquisição da propriedade de um terreno; basta a constituição de um direito real de superfície sobre ele, uma vez que facilita a construção, permite evitar a especulação do solo por reservar as possíveis mais-valias e aumentos futuros de valor dos terrenos para o proprietário, tanto se for um particular quanto se for uma pessoa jurídica de Direito público.
Não deve surpreender, assim sendo, que o direito de superfície, enquanto fórmula de dissociação da propriedade e o uso do solo, tenha atraído a atenção da doutrina e do legislador brasileiro como instrumento de política urbanística. Em troca de uma limitação temporária no uso dos terrenos, estes se obtêm com um custo muito menor. Com isso se reduz o volume inicial de recursos necessários para atender às necessidades da demanda de habitação no setor imobiliário. Representa também um estímulo para a mobilização do solo pelos proprietários privados, que podem pôr terrenos à disposição das promotoras e incorporadoras, sem renunciar a sua recuperação futura junto com a edificação e com a revalorização correspondente. O fomento de atividades industriais, o desenvolvimento de serviços comerciais, hoteleiros, hospitalares ou de lazer, o fomento das moradias de aluguel, também podem encontrar no direito de superfície um grande reforço. Destarte, serve para frear os preços dos imóveis urbanos, para controlar a especulação imobiliária e para promover a solução dos graves problemas de serviços e de habitação que têm as grandes cidades.
Entretanto, as maiores expectativas de utilização deste instrumento estão na cessão de direitos de superfície sobre terrenos de titularidade pública, destinados a incrementar o número de moradias sociais. Quer dizer, a formação de bancos de terras, de reservas fundiárias ou de patrimônios públicos de solo, unida ao uso do direito de superfície, pode ser uma peça chave na política urbanística para o alívio das necessidades de moradia de amplos setores da população, já que permite aos Poderes Públicos, conservando sempre contingente de terrenos urbanos em propriedade e mantendo sobre eles a titularidade pública, ceder à iniciativa particular direitos de superfície com a finalidade de melhorar a gestão e o aproveitamento urbanístico dos terrenos pertencentes a esses patrimônios. O direito de superfície, deste modo, pode cumprir função fundamental na busca do ponto de equilíbrio, na política de habitação, entre os interesses da iniciativa privada e o controle da Administração sobre a ordenação urbanística e na conservação da titularidade dos terrenos. É, portanto, um instrumento jurídico que ajuda a Administração a garantir o direito a cidades sustentáveis, entendido especialmente como o direito à terra urbana e à moradia, tanto para as presentes como para as futuras gerações.
Porem, é preciso perguntar-se se florescera o direito de superfície, por tanto tempo afastado da legislação brasileira, dos costumes da população e da prática jurídica. É muito cedo para examinar a repercussão das novas regras legais. As legítimas expectativas despertadas na doutrina por sua introdução como instrumento de gestão urbanística, a nova roupagem que lhe confere sua vinculação à consecução dos fins sociais da propriedade imobiliária, sua regulamentação no novo Código Civil como substitutivo da enfiteuse, sua aptidão para solucionar e evitar conflitos relativos ao aproveitamento econômico do solo rústico e urbano, as possibilidades de uso como instrumento de reforma agrária que enxerga a doutrina, não são suficientes para promover a sua utilização se os particulares e, especialmente, as entidades públicas não confiam nas possibilidades reais desta figura jurídica. Não basta a disciplina legal do direito de superfície para que venha a ser utilizado, senão que é preciso um câmbio de mentalidade dos operadores jurídicos para que a nova instituição seja atrativa. O tempo dirá.

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