20 de noviembre de 2009

Propriedade urbana e garantia constitucional da propriedade



O assunto que apresenta os maiores problemas de ordem jurídica do direito de propriedade é a tensão dialética existente entre a garantia constitucional do direito de propriedade privada e o significado da função social da propriedade, questão que, tecnicamente, está intimamente ligada as discussões teóricas entre unidade e pluralidade de estatutos de propriedade.
Com efeito o artigo 5º da CF, no caput garante a inviolabilidade do direto à propriedade, junto com os direitos à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança, nos termos seguintes: XXII - é garantido o direito de propriedade; XXIII - a propriedade atenderá a sua função social. Da mesma forma se proclamam no artigo 170, como princípios da ordem econômica do Brasil, a propriedade privada e a função social da propriedade.
A construção teórica da garantia do direito de propriedade privada deve, necessariamente, partir do modelo dominical definido pelo Código Civil: “O proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha” (Artigo 1288, caput).
Ninguém deve esquecer que este é o modelo que, apesar das críticas recebidas e, apesar de todas as transformações experimentadas, continua a ser o único molde teórico que permite dotar de conteúdo à garantia institucional do direito de propriedade. Com efeito, não pode haver propriedade privada sem que seja respeitado um conteúdo essencial do direito que compreenda faculdades de usar, gozar e dispor da coisa, como não pode falar-se de propriedade se falta a garantia legal para a desapropriação por necessidade ou utilidade pública, ou por interesse social, mediante justa e prévia indenização.
De outro lado, também não podem desconhecer-se as transformações e a relativização que já sofreu o conceito e o regime legal do direito de propriedade ao longo do século XX, particularmente durante a sua segunda metade, até desembocar no reconhecimento e na consagração constitucional da função social da propriedade e, particularmente, da propriedade urbana que, conforme ao § 2º do artigo 182 da CF, cumpre sua função social quando atende às exigências fundamentais de ordenação da cidade expressas no plano diretor.
Neste marco adquire sentido a dicotomia propriedade-propriedades, pois com a regulação especial da política urbana pelo Estatuto da Cidade se cria uma nova disciplina da propriedade imobiliária urbana e da faculdade de edificar que gera corpus normativos próprios a traves dos planos diretores e das leis urbanísticas municipais com uma lógica só baseada na dimensão social e coletiva da cidade e no desenvolvimento e na expansão urbana. Assim sendo pode se falar de uma propriedade urbana ou propriedade urbanística intimamente vinculada à ideia de função social. Com isso, este novo estatuto da propriedade imobiliária, desenvolvido fora do Código Civil e completamente estranho aos princípios que o informam, amparado em sua própria logica e em sua própria nomenclatura, aclamado pelos urbanistas e por reputados doutrinadores, aparta-se claramente do regime geral do direito de propriedade e converte-se num dos principais motores das transformações jurídicas no conceito e no regime jurídico geral e abstrato do direito de propriedade privada. 

Por tanto, ainda que continue a existir um reconhecimento formal da garantia da propriedade privada, que sem lugar a dúvidas também compreende a propriedade privada do solo, e que muitos esquecem voluntaria ou involuntariamente, se estabeleceu uma regulação concreta do aproveitamento dos terrenos urbanos com fins urbanísticos mediante o Estatuto da Cidade e, paralelamente, uma nova e interessante disciplina jurídica, o Direito urbanístico.
Mas ainda que teoricamente seja muito fácil descrever o fenômeno da funcionalização social da propriedade e da propriedade urbana não é tão fácil coordenar essa ideia com a subsistente garantia constitucional da propriedade, nem encontrar soluções a muitos problemas teóricos. Assim, ninguém estuda como garantir o conteúdo essencial do direito de propriedade frente ao poder da Camara Municipal concretado nos dispositivos do plano diretor e das leis urbanísticas municipais; ninguém propõe como determinar que mais-valias têm que ser reconhecidas ao proprietário dos terrenos e cuales têm que reverter à colectividade; ninguém estabelece como respeitar a igualdade formal de todos os proprietários tida conta que a ordenação urbanística incide de forma muito diferente sobre cada prédio; ninguém fala se devem ser indemnizados os proprietários de terrenos destinados a usos de interesse geral ou a fines sociais, e emfim, ninguém se pergunta como evitar que a administração urbanística use o plano diretor o as leis urbanísticas municipais como meio para prejudicar a determinados proprietários de terrenos ou para recompensar a outros mais afines ao poder municipal estatuído.
Não há dúvida que estes problemas, por sua própria natureza, não têm fácil solução. E a solução técnica que oferece a Constituição Federal remetendo a determinação do conteúdo da propriedade urbana ao plano diretor como instrumento básico da política de desenvolvimento e de expansão urbana, e a necessidade de que as leis municipais de ordenação urbanística respeitem as amplas e pouco concretas diretrizes fixadas no Estatuto da Cidade, deixa sem resolver estes interrogantes. Por isso o nascente Direito urbanístico brasileiro não tem que se conformar com descrever o conteúdo da propriedade urbana, senão também de estudar o conteúdo material e a importância real da garantia institucional da propriedade privada imobiliária. 


Gustavo Tepedino  e Anderson Schreiber